SHARP MAGAZINE (02.06.2021) – Quando Anthony Mackie me liga de Nova Orleans, eu já assisti 8 Mile, The Hurt Locker, vários filmes dos Vingadores e a última performance como super-herói de Mackie, The Falcon and The Winter Soldier. Não posso vê-lo (um Zoom é ideal para essas coisas em tempo de pandemia) mas não preciso; eu reconheceria sua voz em qualquer lugar. “Vindo de Nova Orleans, nós não falamos inglês como os humanos normais,” diz Mackie, rindo e explicando porque o treino de voz e fala foi especialmente desafiador para ele como um aspirante a ator. “Quando entrei na Juilliard, eu tinha essa professora chamada Denise Woods que deixou muito claro para mim que eu não deveria perder aquela faísca, aquela parte de Nova Orleans em mim.” Mackie parece ter levado o conselho de Woods a sério. Ele não está ligando de Nova Orleans porque é onde foi para esperar a pandemia passar, mas porque é sua casa. É aqui que ele está criando seus quatro filhos, e é aqui que ele continua, fama de Hollywood e tudo.
A ascensão ao estrelato de Mackie não pode ser descrita por adjetivos como “de repente” ou “meteórica”. Ao longo dos últimos 20 e poucos anos, o ator de 42 anos tem constantemente acumulado créditos em filmes indie e blockbusters hollywoodianos, on e off Broadway. Ele, com facilidade, vai de herói a vilão, estrela dramática a de ação, ator principal a coadjuvante. Na tela, ele já interpretou um sargento do exército, um boxeador, Martin Luther King Jr., um traficante de drogas, um artista entendendo sua própria sexualidade, um rapper (duas vezes), e um dos primeiros banqueiros negros da história dos EUA. Em uma entrevista recente com a Variety, Mackie relembrou uma piada em Hollywood: se você é um ator branco buscando uma indicação ao Oscar, atue com ele. Primeiro, foi Eminem em 8 Mile em 2003 (Eminem ganhou como melhor música original com Lose Yourself). Então, Ryan Gosling em Half Nelson em 2007. E então Jeremy Renner em The Hurt Locker em 2010.
O papel da sua vida, no entanto, chegou em 2014, quando a Marvel o escalou como Sam Wilson, mais conhecido como Falcão, um veterano da Força Aérea dos EUA que virou super-herói com seus óculos vermelhos e asas mecânicas. Enquanto o Falcão tem sido visto tipicamente ao lado do Capitão América ou lutando como parte do grande elenco dos Vingadores, ele se elevou a herói principal, junto do Soldado Invernal (Sebastian Stan), mais cedo este ano com a série de seis episódios The Falcon and The Winter Soldier. Quando a série – um giro mais voltado para os personagens no formato de super-heróis – debutou no Disney+ em março, a plataforma de streaming anunciou que foi a premiere mais assistida da sua história.
Anthony Mackie nasceu em Nova Orleans em 1978, o mais novo de seis crianças. Quando criança, ele era incontrolável o suficiente que o diretor de sua escola recomendou ritalina. Um professor perceptivo recomendou no lugar uma saída artística para seu excesso de energia. Na segunda série, Mackie fez sua estreia nos palcos com uma peça de teatro de fantoches baseada na música “Waltzing Matilda”, considerada o hino não oficial da Austrália. O que Mackie se lembra é o aplauso de pé. “Três agradecimentos finais para uma peça de fantoches? Desde aquele momento, eu amei a ideia de performar.”
O teatro também se provou uma casa de apoio para um Mackie adolescente. “Eu sempre senti que estava em desvantagem por causa das relações raciais e o sistema educacional em Nova Orleans. Eu nunca me senti adequado. Então li minha primeira peça de Shakespeare. Eu entendi. Me senti informado. [Que] esse cara branco podia escrever uma peça há 450 anos que eu pudesse me relacionar hoje mudou minha perspectiva imensamente.” Mackie começou a devorar os trabalhos de famosos escritores teatrais como Ibsen, Shaw e Chekhov. Ele começou a escutar compositores como Stravinsky e estudar praticantes do teatro como Meisner e Brecht. Ele até fez aulas de palhaço e estudou kabuki, um tipo de dança-teatro japonesa. “Todas essas coisas começaram a se encaixar. Eu me encontrei no teatro. Me tornei o homem que eu queria ser no teatro.”
Aos 17, Mackie se mudou para Nova York para estudar na Juilliard. Antes de se formar, em 2001, ele interpretou Tupac numa produção off-Broadway de Up Against the Wind, uma peça sobre a vida do rapper escrita por um dos seus colegas de classe. O lendário diretor de elenco Mali Finn viu a performance de Mackie e o incentivou a fazer a audição para 8 Mile. Ele conseguiu o papel de Papa Doc, o rapper rival que Eminem finalmente venceu em uma batalha de rap ao expor as origens de Papa Doc na classe média, em uma escola privada e com dois pais felizmente casados.
8 Mile é frequentemente creditado como o primeiro papel em um filme de Mackie, mas na realidade, foi Brother to Brother, um indie que estreou em Sundance em 2004. (O seu orçamento era tão baixo que eles ficaram sem dinheiro na metade das filmagens. A produção pausou e Mackie filmou 8 Mile.) Após 21 anos como ator, Mackie ainda acredita que sua performance como Perry, um estudante de arte que foi renegado pela sua família por ser gay, foi seu melhor trabalho até hoje. Foi certamente formativo: atuando junto do vencedor de um Tony Award, Roger Robinson ajudou Mackie a diferenciar a atuação para os palcos e para as telas. “Meu primeiro dia no set, nós fazemos uma cena e Roger me puxa de lado e diz, ‘Anthony, você tem que lembrar, sua cara vai estar a 10 andares de altura.’ Ele estava tipo, ‘Eu consigo ouvir o que você está pensando daqui. Pare de atuar,’” lembra Mackie. “Todo dia ele estava me dando lições – joias – sobre como atuar em um filme, ao invés da quase absurda atuação no palco, porque quando você atua no palco, você está atuando para as pessoas da última fileira. Quando atua num filme, está atuando para as pessoas na primeira fileira.”
Mackie credita sua educação no teatro para sua versatilidade como ator. É o porquê de suas performances – como o Sargento J.T. Sanborn no drama da Guerra do Iraque The Hurt Locker, talvez sua mais aclamada até hoje – são dinâmicas e cheias de nuances. Em uma cena, Sanborn sugere “acidentalmente” matar o protagonista do filme. Em um vácuo, é um ato vil, mas Sanborn não é um vilão; suas ações são mitigadas por seu desejo de autopreservação. A performance de Mackie escoa profundidade apropriada para a complexidade moral e os delírios de guerra. Embora não tenha sido indicado ao Oscar como melhor ator coadjuvante (The Hurt Locker foi indicado a nove e vendeu seis, incluindo melhor filme), Mackie suspeita que foi o que lhe deu o papel no Universo Cinematográfico da Marvel quatro anos depois.
Conversando com Mackie, estou curioso para o que o levou, um ator de palco treinado, a colocar asas mecânicas. Em 2019, Martin Scorsese causou um pequeno furor quando disse que filmes de super-herói não são cinema, mas “parques temáticos” que priorizam o espetáculo a custo de contar histórias e desenvolver personagens. Mas a razão de Mackie para se tornar um super-herói é, acima de tudo, a mesma razão que faz do MCU a franquia mais bem sucedida economicamente da história: diversão. “Como ator, eu nunca me preocupei em ser rotulado, mas eu tinha preocupação sobre ficar entediado. Quando meus amigos e eu fazíamos peças de teatro, nós as fazíamos porque era divertido. Eu nunca queria chegar em um ponto onde atuar não fosse divertido. Quando assisti Batman quando era criança, parecia que Jack [Nicholson] estava se divertindo como Coringa. Parecia que Danny DeVito estava se divertindo como Pinguim. Michael Keaton estava se divertindo com certeza como o Batman.”
Mackie está certo: super heróis são divertidos. Mas o Falcão também é relevante socialmente. Por décadas, o super heroísmo esteve relacionado a brancura, uma realidade que é abundantemente clara para toda criança não-branca que acorda em uma manhã de sábado para assistir desenhos. Enquanto se tem um perigo em resumir cada história e performance de criadores de cor em marcos e barreiras quebrados, a realidade é que, atualmente, o Falcão de Anthony é o herói negro mais relevante nas telas.
E ele está bem ciente da importância de tal representação. “Antes de fazerem Mulher Maravilha, eu falava sobre como as meninas mereciam representação. E os meninos merecem também. Significa muito para os meus filhos terem a possibilidade de verem uma heroína mulher sendo fodona,” disse Mackie.
Enquanto eu te salvo dos detalhes do plot, saiba isso: The Falcon and the Winter Soldier termina com o Falcão se tornando o novo Capitão América. É um reenquadramento do mais estadunidense dos heróis, um que sempre representou a versão mais idealizada da nação sobre si mesma em um pacote de músculos e pele branca.
A Marvel fez um esforço de diversificar suas histórias recentemente, mas isso nem sempre refletiu atrás das câmeras. Ano passado, Anthony criticou a empresa apontando que ele atuou em sete produções da Marvel e em todas elas, quase todas as pessoas eram brancas, “Agora, se você olhar para um set da Marvel, tem um número crescente de mulheres e pessoas de cor em posições de poder”, diz Mackie, otimista de que progresso está sendo feito. “Tem muitas mudanças acontecendo no universo Marvel com tantos personagens – tantas personagens mulheres, tantos personagens de diferentes raças e backgrounds – sendo colocados na frente. Eu acho que a fase quatro vai ser muito animadora porque vai lidar com problemas mais reais e cotidianos.”
Enquanto Anthony engrena para liderar uma das maiores franquias do cinema, é difícil não sentir o coração aquecer com seu sucesso. Ao lado do fato de que ele é afável e charmoso, sua ascensão nos leva para uma esperança básica que todos nós temos: de que trabalho duro, talento e tenacidade irão valer a pena. “Quando eu fiz The Hurt Locker, ninguém sabia que o filme se tornaria o que se tornou. Ninguém sabia que 8 Mile se tornaria o que se tornou. Mas são com esses pequenos blocos que se constroem oportunidades” diz Anthony. “Eu acho hilário que as pessoas fiquem surpresas que a mesma pessoa que interpretou Papa Doc [8 Mile] é o Capitão América agora. Esse é o elogio máximo para uma carreira.”
Mackie também está de olho em um retorno para os palcos. É mais complicado agora sendo pai, já que as produções de teatro requerem que os atores se mudem por uma grande parte do ano. “É um monte de jogos de futebol que eu vou perder, um monte de coisa que eu vou perder” ele diz. Sua solução: começar sua própria companhia de teatro em sua casa, Nova Orleans. Ele ainda está procurando por um espaço, mas já resolveu a questão do elenco: uma mistura de amigos do teatro local e atores de qualquer outro lugar que queiram passar alguns meses em Nova Orleans, longe de Hollywood ou Manhattan.
O único lado bom da pandemia, diz Mackie, é todo o tempo que ele passou em casa. Eu perguntei a ele como é andar por Nova Orleans agora, carregando o manto de um personagem tão icônico quanto o Capitão América. “Eu realmente não sei ainda,” ele diz. “Nada mudou na minha vizinhança. Minhas irmãs ainda fazem bullying comigo. Eu ainda corto a grama. Mas eu estou ansioso para as coisas que virão com isso. Estou muito ansioso pelo que significa para o mundo e eu quero ver o que o futuro guarda para o meu personagem. Mas é só isso até então. Por causa da COVID, tenho sido um super herói trancado dentro de casa.”