VARIETY (03.03.2021) – Por todo o tempo que foi um Vingador, Anthony Mackie nunca tinha sido o primeiro nome da lista.
Em uma galáxia de estrelas populada por Robert Downey Jr., Chris Evans e Scarlett Johansson, o ator estava ciente de seu lugar na hierarquia, mas nunca perderia uma oportunidade de fazer sua presença ser sentida.
“O número seis da lista chegou!” Mackie rotineiramente gritaria em filmes como “Capitão América: Guerra Civil” e as sequências de arrebentadores de bilheteria da “Infinity Saga”, de acordo com Kevin Feige.
Isso exemplifica o tipo de tom vencedor que o ator de 42 anos trouxe para seu personagem super-herói, o Falcão, também conhecido como Sam Wilson, por seis filmes da Marvel Studios – humor irônico e colegial, com o potencial para se tornar explosivo a qualquer momento. Tanto Mackie quanto seu personagem vão brilhar mais do que jamais brilharam quando a série do Disney+ “Falcão e O Soldado Invernal” for lançada no dia 19 de março.
Nessa lista, “Anthony é o número 1,” Feige está feliz de reportar, “mas ainda diz ‘número 6’. Ele deixou assim porque não queria que isso subisse a cabeça.” A série é essencialmente uma two-hander com seu amigo e co-estrela de longo tempo, Sebastian Stan, como o soldado do título. Todos os seis episódios foram produzidos e dirigidos pela vencedora do Emmy, Kari Skogland. A série, que combinou as visualizações do spot no Super Bowl e do trailer para um recorde de 125 milhões de views esse ano, custou $150 milhões no total.
Para Mackie, a série vem num tempo crítico para tanto sua carreira quanto para representação no MCU. Sam Wilson está graduando de braço direito útil, tendo recebido o escudo do Capitão América do Evans no último filmes dos Vingadores. Enquanto não está claro se ele irá formalmente usar o uniforme de Capitão América daqui pra frente (assim como seu personagem fez nas histórias em quadrinhos em 2015), os fãs ao redor do mundo e a indústria no feral ainda está lidando com a perda de Chadwick Boseman, que fez o Pantera Negra de uma forma que definiu uma nova cultura. Com essa nova história, Mackie será o mais visível herói afro-americano na franquia. E quando perguntado se ele irá vestir o manto de um dos personagens mais icônicos, ele não diz exatamente ‘não’.
“Eu estava muito surpreso e afetado pela ideia de possivelmente ganhar o escudo e me tornar o Capitão América. Eu estou nessa indústria há muito tempo, e fiz da forma que dizem que você deve fazer. Eu não fui para LA e disse ‘me faça famoso’. Eu fui para a escola de teatro, fiz shows Off Broadway, fiz filmes indie e trabalhei através da hierarquia. Demorou muito tempo para isso tudo se manifestar da forma que tem, e eu estou extremamente feliz quanto a isso,” Mackie diz.
Feige diz que, especialmente com o Disney+ e a liberdade de conseguir uma forma de contar histórias mais longa, o momento era certo para dar ao Falcão o que ele merece.
“De repente, o que tinha sido uma clássica passagem de bastão de um herói para o outro no final de ‘Ultimato’ abriu as portas para o nosso potencial de contar uma história inteira sobre aquilo. O que realmente significa para alguém tomar aquele lugar, e não qualquer um, mas um homem preto nos dias de hoje?” disse Feige.
Como muitos heróis dos quadrinhos, Mackie tem uma origem marcada por uma tragédia quando jovem – especificamente, a perda de uma figura parental. O nativo de Nova Orleans é o caçula de seis, de uma família classe média, cuja trajetória virou o caos quando sua mãe recebeu o diagnóstico de uma doença terminal
“Foi inesperado e muito infeliz. Eu tinha 15 anos quando ela foi diagnosticada com câncer, e alguns meses depois, ela se foi. Ela faleceu um dia antes da minha formatura da 9ª série,” Mackie se lembra. “Se minha mãe não tivesse falecido quando eu era tão novo, eu não estaria onde estou hoje.”
Mackie já havia gravitado para a arte antes da perda de sua mãe, tendo se matriculado na pré-profissional escola Centro para as Artes Criativas de Nova Orleans. Como muitas pessoas jovens lidando com trauma, Mackie começou a se rebelar. Um grupo de professores o ajudou a sair dos problemas. Ray Vrazel, ainda um instrutor na escola, pessoalmente dirigiu o estudante a uma audição em Houston para a Escola das Artes da Universidade da Carolina do Norte, onde ele foi aceito no seu último ano do ensino médio.
“Tudo que eu fiz, eu fiz pela minha mãe. A ideia de sair de casa aos 17 e ir para uma escola nunca teria sido uma opção se ela ainda estivesse por perto. Ela era minha melhor amiga. Perdê-la me deu um tipo de força, e um desejo de ter sucesso,” Mackie diz.
E ele conseguiu ter sucesso. Passar aquele ano formador como um menor num campus de faculdade ajudou Mackie a encontrar sua “tribo”, um grupo de desajustados com artistas e intérpretes, o que o impulsionou a ser aceito na prestigiosa Juilliard de Nova Iorque, em 1997. Lá, ele foi parte da revolucionária turma com estudantes de cor a serem selecionados para o notório programa de drama, que Mackie diz ter sido liberador dado ao histórico da instituição.
“O nosso ano foi uma enorme transição. Quase não tinham pessoas asiáticas no programa de drama, talvez uma ou duas pessoas pretas e quase nenhuma mulher preta. Na nossa turma, tínhamos três mulheres pretas, dois homens pretos, um nativo americano, uma mulher asiática, numa turma de 20 pessoas. Desde então, as turmas têm sido muito diversas,” diz Mackie, seus colegas incluíam a estrela dos palcos e filmes Tracie Thoms e o ator Lee Pace.
Seguindo seu treinamento, Mackie lançou uma carreira espantosamente versátil. Ele já atuou como Tupac Shakur e Martin Luther King Jr. para aclamação semelhante, um bodybuilder que usa anabolizantes em “Pain & Gain” e um adolescente gay sem teto em “Brother to Brother”. Ele já exibiu um enorme poder numa indústria que costuma classificar atores e tem uma alma marcada quando se trata de inclusão.
“Eu fui atraída para o Anthony por causa de sua habilidade eletrizante de combinar intensidade e sensibilidade, coragem e compaixão, e tudo isso aparece como sendo inevitável, como se não tivesse outro jeito,” diz Kathryn Bigelow, que o dirigiu no filme vencedor de melhor filme no Oscar em 2009 “The Hurt Locker.”
Samuel L. Jackson, que Mackie considera um mentor e já atuou com ele em vários filmes, diz que ele tem “uma qualidade inata que, antes de qualquer coisa, faz todo mundo querer escalar ele.” Numa recente busca na Netflix, Jackson passou pelo novo filme de sci-fi de Mackie, “Outside the Wire”, o que trouxe uma memória de quando estava sentado na plateia para sua performance de 2010 na produção da Broadway de Martin McDonagh, a peça “A Behanding in Spokane.”
“Vendo-o no palco, eu pensei, ele é um ator muito hábil, capaz de vestir vários chapéus. Ele não tem medo e vai tentar ser qualquer um. Então, na minha tv, ele está sendo um soldado nanobyte ou alguma merda,” diz Jackson.
Embora sempre humilde sobre conseguir seu próximo trabalho, o Mackie pré-Marvel raramente era oferecido a primeira posição.
“Houveram certas estacas. Meu primeiro foi ‘8 Mile.’ Foi um passo monumental no começo da minha carreira,” Mackie fala sobre o filme de Curtis Hanson de 2002 que elevou o rapper Eminem para o estrelato múltiplo.
“Depois foi ‘Half Nelson.’ Ele explodiu o Ryan Gosling, então eu estava lá para surfar a onda. Então, ‘The Hurt Locker,’ e ele explodiu Jeremy Renner. Era a piada por um longo tempo – se você é um cara branco e quer ser indicado ao Oscar, faça um filme comigo. Eu trago os negócios para os caras brancos,” Mackie diz.
Ele se lembra da sensação que foi “The Hurt Locker” durante sua temporada de premiações. Foi um momento que ele achou que iria mudar tudo enquanto ele estava no palco do Teatro Dolby com o elenco e os produtores do filme, tendo acabado de tomar um gole da garrafa do George Clooney enquanto Halle Berry estava algumas filas atrás.
“Eu achei que poderia seguir em frente com a minha carreira e não teria que lutar e me posicionar por trabalho. Entrar em salas com certas pessoas. Eu achei que meu trabalho falaria por si mesmo. Eu não senti uma grande mudança, mas acho 100% que ‘The Hurt Locker’ é a razão de eu ter conseguido ‘Capitão América.’”
Ele está referenciando “Capitão América: O Soldado Invernal,” o filme da Marvel de 2014 que foi o primeiro a ser dirigido por Joe e Anthony Russo (que no momento possuem o título de maior bilheteria da história do cinema com “Vingadores: Ultimato”). Mackie diz que o blockbuster não apenas lhe deu sua maior plataforma até o momento como mudou as expectativas de filmes de super-herói para sempre.
“Foi o primeiro de espionagem, com estilo Jason Bourne, da Marvel. Depois dele, os filmes mudaram e tiveram temas diferentes e estavam mais de acordo com o mundo em que vivemos,” ele diz.
Amparado pelas palavras de outro mentor, Morgan Freeman, Mackie não sente nenhum remorso pela sua trajetória.
“Nós fizemos ‘Million Dollar Baby’ juntos, e quando estávamos filmando esse filme, eu fui oferecido uma peça. E quando você faz Off Broadway, são $425 por semana. Em Nova Iorque, isso são mais como $75 por semana. Eu recebi a oferta de um filme ao mesmo tempo, e eram rios de dinheiro. Enormes rios de dinheiro iam passar pela minha porta,” Mackie diz. “O roteiro era horrível; a coisa inteira era ruim. Eu fui ao trailer do Morgan e perguntei o que ele faria. Ele demorou um segundo e disse ‘Faça a peça. Quando Hollywood te quiser, eles vem te buscar. E quando vierem te buscar, eles irão te pagar por isso.’ Isso explodiu minha mente, e eu saí aquele dia com muita confiança. Ele tem sido uma enorme influência para mim.”
Ele usou o dinheiro do primeiro filme com os irmão Russo e os cinco seguintes para fazer o que muito criadores em Hollywood tem feito nos últimos anos para ajudar a balancear as escalas de lucro e representação nos conteúdos: faça as coisas você mesmo.
Ano passado Mackie produziu e estrelou “The Banker” – o que seria a primeira incursão da Apple Studios na distribuição de filmes originais para o cenário de premiações – com sua produtora Make It With Gravy. O filme segue a história real dos primeiros banqueiros pretos dos EUA e o homem branco que foi colocado na frente para que eles conseguissem a aquisição da instituição, tudo isso enquanto apoiavam negócios e comunidades de pessoas pretas no processo. Um escândalo com acusações de má conduta sexual envolvendo membros da família mostrada no filme atrasou o lançamento, o que fez com que ele passasse da época das premiações e emaranhou o novato produtor.
“Foi uma boa lição, e me deu uma nova perspectiva do mundo ao nosso redor. É muito importante para mim que as mulheres ao meu lado sejam tratadas igualmente. Foi uma lição valiosa. Eu fico grato pelas minhas irmãs, por não serem maldosas comigo uma vez,” ele diz.
Mackie está em desenvolvimento no filme “Signal Hill,” sobre os dias iniciais do advogado Johnnie Cochran e o teatro que ele levou aos tribunais muito antes do julgamento de O.J. Simpson, e está torcendo pra conseguir os direitos para a história de vida da pioneira do movimento pelos direitos civis Claudette Colvin como um veículo de sua estreia como diretor. Criando seus quatro filhos agora, Mackie quer que seu trabalho fora das telas os faça homens coerentes.
“Veja Robin Williams,” ele diz. “Ele costumava ser crasso e engraçado, mas então ele teve filhos, e começou a fazer todos esse filmes para a família. A mesma coisa aconteceu com Eddie Murphy. Eu estou tentando formar a experiência dos meus filhos com as coisas que estarei produzindo, em vez das que estarei estrelando. É isso que é o mais importante. Eles sabem que meu trabalho é meu trabalho; eles sabem quem eu sou. Eu já desisti da ideia deles acharem que sou legal,” ele diz.
Piadas sobre a lista de atores estão entre os vários caprichos de Mackie quando está filmando. Jackson diz que os sets estão constantemente cobertos de tocos de charutos, para serem acesos entre as tomadas ou após longos dias. Bigelow diz que seu relacionamento com a equipe levou a noites em que o “relógio estava correndo, mas era impossível se recompor o suficiente para filmar.” Mas, de acordo com Evans, nenhum Mackie-nismo é mais famoso do que a frase que ele grita depois dos diretores gritarem corta: “Cut the check!”
Evans diz que isso “irá para sempre ser associado com Mackie. Eu me encontro dizendo isso nos sets o tempo todo. Eu amo. Mas eu nunca serei capaz de dizer tão bem quanto ele.”
Como o homem entregando a Mackie sua armadura, Evans diz que o Falcão “tem um papel no universo da Marvel que respondeu a chamada para agir de novo e de novo. Ele já provou sua coragem, sua lealdade e sua confiabilidade por vários filmes. O Sam já deu tanto, e ele perdeu muito também. Ele acredita em algo maior do que ele, e é esse tipo de humildade necessária para carregar o escudo.”
A questão da humanidade de Sam Wilson será devidamente explorada em “Falcão e O Soldado Invernal,” o que Mackie chama de uma demonstração mais profunda para ele, Stan e seus personagens. Foi um prospecto que inicialmente o confundiu e assustou.
“Eu não achei que poderíamos fazer na televisão o que estávamos fazendo na tela grande. Eu não queria ser a face da primeira franquia da Marvel a falhar. Tipo, ‘Tá vendo? Colocamos o cara preto, e agora essa merda tá horrível.’ Esse era um grande medo meu, e também uma enorme responsabilidade em fazer um personagem da Marvel,” Mackie diz.
Ele foi rapidamente amenizado pelo nível de profundidade nos roteiros do escritor-chefe Malcolm Spellman, especialmente quando se tratava das nuances de Wilson – um americano preto com nenhum poder além de suas asas incríveis.
“Sam Wilson como feito pelo Mackie é bem diferente de um Thor ou de um Pantera Negra, porque ele não é de outro planeta ou rei de outro país,” diz Feige. “Ele é um homem afro-americano. Ele tem experiência militar e faz aconselhamento de luto com soldados que têm TEPT. Mas onde ele cresceu? Quem é sua família? Mackie estava animado para ir fundo nesse homem, esse homem preto, na versão da Marvel do mundo do lado de fora da nossa janela.”
Mackie celebra o fato de Sam, em um universo cheio de deuses mitológicos e heróis feitos em laboratórios, ser um homem com quem a audiência pode se identificar.
“Eu sou basicamente os olhos e os ouvidos da audiência, se você fosse colocado naquela posição onde pode sair e lutar ao lado dos super-heróis. Isso acrescenta uma bela qualidade a ele, que ele é um cara normal que pode sair e fazer coisas especiais,” Mackie diz.
Enquanto preso ao nível de segredo da Marvel, o ator confirma que não houveram discussões sobre uma segunda temporada de “Falcão e O Soldado Invernal.” Como a maioria dos cinemas domésticos continuam fechados devido a pandemia do coronavírus, ele também desconhece os prospectos cinematográficos de seu personagem Falcão – ou o Capitão que ele pode se tornar quando acabar a série da Disney+. Por agora, ele está contente em vestir o manto deixado por Boseman, um pacto silencioso de responsabilidade para as crianças amantes da Marvel.
“Para Chad e eu, [representação] nunca foi uma conversa que precisamos ter por conta de nossas origens. Havia um entendimento entre nós, porque somos de origem humilde no Sul; temos origens muito parecidas. Sabíamos qual era o jogo. Sabíamos quando entramos nele,” ele diz.
Fora dos filmes de quadrinhos, Mackie não parou de procurar. Tem um gênero em particular que ele gostaria muito de fazer.
“Minha equipe fica brava comigo por dizer isso, mas eu adoraria fazer um projeto clichê antigo como ‘When Harry Met Sally’,” ele diz. “Um daqueles filmes que estou trabalhando do lado de fora e preciso tirar minha camiseta porque está muito quente. Eu quero uma comédia romântica. Eu quero fazer todos os filmes escritos para Matthew McConaughey que ele recusou.”