LATINX SPACES (24.05.2021) – Nascido e criado em Nova Orleans, Louisiana, Anthony Mackie encontrou seu caminho cedo no amor e na prática da atuação; a encruzilhada poderia ter levado à engenharia, como levou seu irmão mais velho, Calvin. Mostrando um talento excepcional já no ensino médico, Anthony estudou na NOCCA, NCSA e depois em Juilliard (1997-2001). Assim que saiu de Juilliard, Anthony começou a fazer ondas com um talento singular para seus papéis on and off Broadway, incluindo um prêmio Obie Award pelo seu papel como o Moderador em Talk (2002) de Carl Hancock Rux.

Desde então, Anthony atuou em 70+ papéis em filmes e na televisão. Isso não inclui seus papéis como dublador ou seu trabalho contínuo na Broadway e em Shakespeare in the Park. Os elogios tem seguido na sua cola, incluindo prêmios do Gotham Independent Film Award e SAG Award, e também indicações ao Black Reel Award por She Hate Me (2004) e Independent Spirit por Brother to Brother (2004) e The Hurt Locker (2008).

A largura e profundidade da atuação do Anthony espanta. De papéis guerreiros de sci-fi auto-reflexivos (Outside the Wire e Altered Carbon) para apaixonados Black-power, jogadores de futebol universitários (We Are Marshall) e um Tupac maior-do-que-a-vida (Notorious) até o quieto mas forte e feroz MLK Jr. (All The Way) e o vigilante homem comum Sam Wilson, como Falcão no MCU.

Anthony traz para todo papel que escolhe a poderosa presença de um ator prendado e ágil, tão à vontade no palco quanto na frente da câmera. Junto disso, Anthony traz um espectro de experiências e identidades de um homem negro. Ele respira vida a uma gama completa de masculinidades pretas. Com um personagem como Papa Doc (8 Mile) que se passa como um rapper marginal, Anthony encontra um jeito de expressar humildade e vulnerabilidade. No papel biográfico de Nate Ruffin (We Are Marshall), Anthony expressa uma feroz resiliência e mostra ao mundo que está tudo bem ver um homem preto adulto chorar e estar de luto. Com o episódio de Black Mirror, “Striking Vipers”, ele leva a audiência até um lugar completamente novo em relação a nossas expectativas de amor e camaradagem homem-homem. Anthony é o super herói-homem comum Sam Wilson e não tem medo de mostrar sua profunda afeição por seu melhor amigo, Steve, e mais tarde por Bucky, como também de aceitar suas falhas com certa humildade; nesse quesito, ele se mostra em contraste a outras masculinidades pretas representadas por outros no MCU, como o bruto Nick Fury, ou o taciturno militar Rhodey, e o obediente Battlestar.

Anthony leva sua atuação a sério: como um espaço importante para modelar pelo exemplo novas gerações de homens e como um veículo para transportar as audiências para um lugar novo. De fato, vamos ao cinema e ligamos nossos telefones, computadores, e telas planas para assistir histórias modeladas pela presença do Anthony por causa da sua abordagem para a atuação. Fazemos isso porque Anthony Mackie acorda os maravilhosos jeitos que um pode expressar toda a gama de perspectivas, pensamentos e sentimentos de seres humanos no mundo.

Frederick Luis Aldama: Como um Latinerd, não posso acreditar que estou com você aqui agora. Isso é incrível, Anthony.

Anthony Mackie: Obrigado por me ter aqui. Quando filmamos Captain America: The Winter Soldier em Cleveland, eu dirigia até Columbus nos finais de semana para visitar um bom amigo meu, Eddie George. Ele é dono de um restaurante do outro lado da rua de Ohio State [universidade em Ohio]. Já passei muitos fins de semana animados no campus de vocês.

FLA: Vou pular dentro aqui. Bem cedo você encontrou seu caminho para a atuação, primeiro indo a NOCA, depois a North Carolina School of the Arts e finalmente, claro, Juilliard. O que foi que te atraiu para estudar a atuação?

AM: Para mim sempre foi importante estudar. Quando eu era criança, meu pai me disse que, qualquer coisa que eu fizesse, eu precisaria estudar para que pudesse aperfeiçoar. Então, quando encontrei a atuação, era mais sobre a literatura e os personagens do que sobre a celebridade. Eu realmente gostei da ideia de tudo que li. Essas pessoas estavam contando suas histórias. Então quando olho um roteiro de um filme, nunca leio para saber se serei o personagem principal. É mais importante interpretar tipos de personagens mais interessantes, diversos e diferentes.

FLA: Você pensa na atuação como um trabalho?

AM: Sabe, desde que comecei minha carreira como ator, nunca pensei nisso como um trabalho. Sempre foi divertido. Então, todo papel, todo trabalho que consigo, toda vez que sou escalado, nunca parece um trabalho para mim. Eu adoro tanto.

FLA: Anthony, olhando bem para trás, para um dos seus primeiros papéis como Papa Doc em 8 Mile (2002), você traz uma complexidade ao personagem; ele poderia facilmente ter sido um marginal de uma dimensão. No entanto, suas habilidades de atuação nos permitem vê-lo com suas vulnerabilidades e, até, humildade. 

AM: Todo personagem – todo ser humano – tem uma história. Papa Doc foi meu segundo trabalho como ator depois da faculdade. Quando recebi o roteiro, Papa Doc tinha tipo três falas. Era pra eu estar no set por uma semana. A coisa louca é, Curtis Hanson e eu desenvolvemos o personagem no set; ele continuou desenvolvendo e crescendo para o personagem que você vê no filme. A cena da batalha [de rap] não estava no roteiro original. Desenvolvemos tudo aquilo.

Ninguém nasce, por falta de um termo melhor, um babaca. Um babaca é cultivado e criado. Então, se você olhar para o Papa Doc e todas as coisas que ele faz ao longo do filme – bom ou ruim, certo ou errado – tem uma imagem que ele está tentando proteger. Tem um desejo de ser enxergado de uma certa forma. Então, você precisa ir fundo no seu psicológico e perguntar: do que ele está fugindo? Do que ele está se escondendo? Qual é seu objetivo de ser visto como um badass? Chegamos a ideia de que ele está tentando muito porque ele vem dessa casa boa e de uma família com dinheiro. Ele está super-compensando.

Papa Doc está cercado de valentões. Ele tem que ser extra extra para que eles o aceitem. Eu podia me identificar com ele. Tinha acabado de sair de Juilliard, e tinha caras bem badass das ruas de Detroit no set. Então eu tinha que me compensar. Tive que endurecer para me encaixar. Foi uma experiência de aprendizado. Me ensinou como usar minha experiência do dia a dia no personagem que interpreto.

Quando você vê pessoas, em qualquer jeito, forma ou atuando exageradamente, sempre tem uma super-compensação de algo. Em Nova Orleans temos um ditado, “bad-boys movem tão silenciosamente como lasanha.”

FLA: Em entrevistas, Michael Peña (Luis nos filmes do Ant Man) fala sobre como, no início de sua carreira, ele era sempre colocado como o marginal latino, membro de gangue, e zelador. Ele fala sobre como teve que forçar seu caminho pela onda de estereótipos. De 8 Mile a The Falcon and The Winter Soldier, você interpretou uma gama de papéis, houve algum momento que você sentiu que precisava empurrar contra a força que tentava te segurar?

AM: Depois de 8 Mile literalmente me ofereceram o papel do rapper marginal em praticamente todos os filmes de hip-hop sendo feitos. Mas, em vez de pegar um papel grande em um desses filmes de rapper da rua e marginais, eu fui e fiz um pequeno papel em Manchurian Candidate (2004) com Denzel. Eu fiz um pequeno filme independente com Spike Lee (She Hate Me). E, quando voltei para Nova Iorque, fiz uma peça na Broadway. Então, se você me viu como um marginal em 8 Mile, depois iria me ver como um azarado hustler de Spokane, Washington com Christopher Walken. Por causa do meu treinamento, eu podia me dar oportunidades de atuação que fariam com que os outros me vissem de uma forma diferente. E, você sempre quer ser associado com pessoas que iluminam suas habilidades de fazer algo diferente.

Eu devo adicionar que naquela época, meu agente estava ativamente promovendo eu e minhas habilidades não apenas como o melhor ator negro, mas como o melhor ator e ponto. O papel que interpretei em Hurt Locker foi originalmente escrito para um ator branco. Meu agente fez aquelas ligações e teve aquelas conversas que fizeram com que eu fosse visto primeiro como um ator e então escalado para o papel. Por causa da interpretação ‘sem cor’ do negócio pelo meu agente eu pude andar livremente por Hollywood em uma forma de ser escalado ‘sem cor’.

FLA: Estou feliz que você tenha falado sobre Hurt Locker (2009). Para mim, esse filme parece como um marco para você, realmente te empurrando para novos limites físicos e mentais.

AM: Hurt Locker foi [ri] uma experiência horrível – em questão do ambiente. Filmamos por três meses em Amã, Jordânia no verão. Foi diferente de qualquer coisa que eu já tinha vivenciado. E sou de Nova Orleans.

Em questão de trabalho, foi uma experiência incrível. Katherine nos colocou numa posição para vencer. Naquela época, ninguém conhecia eu ou Renner ou Garrity. Éramos uns ninguém, animados pelas outras pessoas sendo escaladas ao redor de nós. Nos tornamos amigos de longa data porque tivemos aquela experiência juntos. Foi uma experiência de aprendizado e crescimento para todos nós. 

Mas Katherine sinceramente nos colocou numa posição para vencer. Ela nunca, em qualquer jeito, forma ou circunstância nos julgou ou aos nossos personagens. Ela nos respeitou como jovens homens. E nós a escutamos, a seguimos e a respeitamos como mulher. E, por causa disso, acho que realmente nos abriu para a vulnerabilidade que você sente naquele filme, porque foi nisso que todo mundo se identificou. Você tem esse filme sobre três soldados, mas todo soldado era vulnerável de uma forma que você pode ver sua humanidade. Quero dizer, até a cena de abertura, quando o técnico de bomba explode e te diz que ninguém está fora dos limites. Então, foi uma ótima experiência de atuação. Quanto a estar no meio do deserto, no meio do verão, por três meses, em 2007, no Oriente Médio, foi o inferno na terra [ri].

FLA: Posso apenas imaginar o calor, Anthony. Estou pensando em você como Lt. Jake. T. Sanborn. cheio de equipamento no meio do deserto olhando pela mira do rifle com o suor escorrendo pela sua cara. 

Estou feliz, Anthony, que você tenha falado sobre vulnerabilidade. Uma das coisas que amo que você trouxe para Sam Wilson no MCU é mostrar ao mundo que homens podem ser vulneráveis. Podemos ser leais e confiar, assim como sermos carinhosos uns com os outros. Vemos isso na relação entre Sam e Steve, começando em Captain America: Civil War (2016) e enquanto está se desenvolvendo com o Bucky em The Falcon and The Winter Soldier (2021). Essas são amizades bem diferentes dos gracejos vai-e-volta que vemos entre Tony Stark e Banner, por exemplo.

Vou apenas dizer, é raro ver na tela, muito menos no MCU, afeição e amor entre dois amigos próximos homens. 

AM: Eu acho que é engraçado o jeito que as pessoas reagem à relação entre Sam e Steve e entre Sam e Bucky. Acho que todos os caras podem se relacionar com elas. Todos os caras têm amigos que eles amam. Todos os caras têm amigos que eles apreciam e admiram.

A realidade é, seja lá o que for chamado – bromance ou qualquer coisa – tem uma certa vulnerabilidade e felicidade que vem de quando você está cercado por seus amigos e família que você não encontra em mais lugar nenhum. Eles são soldados. São veteranos de guerra. Estiveram pelo duro de tudo juntos. Tem um certo nível de camaradagem, amor, entendimento e amizade que é ainda mais forte do que de uma família. 

Tentamos trazer esse senso de amor e camaradagem para os personagens e para o MCU. Tentamos trazer esse respeito e entendimento. Tentando trazer essa vulnerabilidade.

FLA: Eu lembro da cena da “terapia de casal” em The Falcon and The Winter Soldier quando Sam e Bucky são forçados pela terapeuta a lidar com os problemas deles se olhando nos olhos e se sentando bem próximos um do outro. É super íntimo e vulnerável. Uma palavra: UAU! 

E, toda essa conversa sobre vulnerabilidade me fez pensar sobre aquele episódio de Black Mirror, “Striking Vipers”. Você mencionou mais cedo em nossa conversa que você faz papéis variados. Com “Striking Vipers”, o que eu posso dizer além de “uau” de novo. O episódio redefine os parâmetros de amor. 

AM: Definitivamente. É isso que amei sobre o episódio. É por isso que fiquei tão animado para fazê-lo. Quando eu recebi o roteiro, eu fiquei surpreso com o tema. A comunidade Afro Americana não fala sobre homossexualidade. E, como um homem hétero, as vezes eu sinto que não tenho direito de expressar ou comunicar o que eu penso ou sinto sobre homossexualidade porque eu não sou homossexual, o que é completamente errado. Mas como um artista, eu tenho uma opinião. 

“Striking Vipers” foi originalmente escrito para dois homens brancos. Mas quando o diretor e eu estávamos conversando, ele sugeriu um homem branco e um homem negro. Mas, quando nos encontramos, conversamos sobre homossexualidade na comunidade afro americana e como escalar dois homens negros iria mudar toda a conversa. Isso era importante pra mim. Vários amigos meus são homens gays. Eu queria abrir os olhos das pessoas para a ideia de que todos merecem amor. Como o meu amor talvez não pareça com o seu amor. E não é meu trabalho julgar o seu amor. 

Todos precisamos ser amados. Então vá ser amado porque a vida é curta e você só tem uma. 

Um dos meus primeiros trabalhos foi um pequeno filme que eu fiz em Nova York chamado Brother to Brother (2004). Isso foi no início dos anos 2000. Denzel tinha feito a famosa afirmação de que fazer um personagem gay acaba com uma carreira de atuação. Brother to Brother era sobre um jovem artista, Perry, que encontra sua voz “viajando” para o passado com esse artista idoso, Bruce Nugent, que era uma figura importante durante o Harlem Renascentista. 

Foi muito importante pra mim, era um tópico e uma história muito bonitos porque abriu meus olhos para o mundo ao meu redor e a divergência de aceitação, divergência de apreciação e a divergência de pessoas simplesmente sendo amadas e encontrando amor, e quão único isso é. 

Isso era algo que eu queria comunicar com “Striking Vipers”. Felizmente, nós fomos capazes de conseguir Yahya [Abdul-Mateen II] para estar na jornada comigo. Nós compartilhamos pontos de vista similares. Nós fizemos isso por nossos irmãos, amigos e pessoas amadas que são gays. Nós queríamos que eles soubessem que existem pessoas que os admiram e os amam por quem eles são. Nossa mensagem: vá encontrar seu amor. 

FLA: Vá encontrar seu amor. Eu amei isso. As escolhas que você faz como ator – modelar pelo exemplo – prova que atuar é muito mais do que entreter. É muito mais do que transportar as pessoas para um breve momento. É realmente uma maneira de despertar as pessoas para as formas de existir no mundo que não são controladas pelo medo. 

AM: 100%. Tem que ser algo além do entretenimento. Meus filhos vão assistir um filme comigo e se não tiver conteúdo, eles não vão aprender nada com isso. Então, não importa se é um filme ridículo como Hollywood Homicide (2003) ou um filme louco como The Night Before (2015), eu trato cada projeto com respeito. 

FLA: Você leva atuação e filmes seriamente. Você dá seu tudo para seus papéis, incluindo, claro, The Falcon and The Winter Soldier. A plataforma do Disney+ permite mais complexidade aos personagens que aparecem nos filmes do MCU. Eles ganham mais tempo de tela. Eles ganham mais profundidade e desenvolvimento de personagem. The Falcon and The Winter Soldier começa com Sam passando sua camisa. Isso mostra para nós telespectadores que vamos ver mais de Sam do que vimos nos filmes do MCU. Nós vamos ver um super herói, claro, mas também veremos um cara normal com problemas cotidianos. Com apenas alguns episódios, TFATWS entrega o que promete. 

AM: A Marvel sempre foi boa em humanizar os aspectos inumanos de super heróis. Eu amo como nessa série eles mostram os problemas cotidianos da vida de super heróis como por exemplo como eles se sustentam. 

Dois dias atrás eu estava colocando o lixo para fora e esse cara parou mortificado no meio da rua, pegou o telefone dele e disse “Ei, você está colocando seu lixo para fora!” e eu respondi “Bem, o lixo não vai andar sozinho pra fora.” 

Existe uma ideia de que se você está em filmes, uma outra pessoa faz as tarefas cotidianas, como colocar o lixo para fora. É a mesma ideia com super heróis. De alguma forma, se você é um super herói você não usa o banheiro. Mas a realidade é que super heróis são do mesmo jeito que pessoas comuns. Eles só se curam mais rápido. 

FLA: Em TFATWS, a relação entre Sam e Bucky realmente fundamenta a história de super herói em um realismo cotidiano. 

AM: Isso traz humanidade para a realidade de Sam e Bucky. Bucky está lidando com sérios traumas e TEPT das experiências que ele vivenciou antes. Ele é um ser humano, em um nível “super”. É difícil para o Sam conseguir um empréstimo, assim como é difícil para qualquer homem negro conseguir um empréstimo. Esses são problemas sociais e realidades que enfrentamos como americanos todos os dias. 

Você precisa lembrar que nas HQs o Sam/Falcão é um cara comum. Sam acordou uma manhã, saiu para uma corrida, esbarrou no Capitão América e se tornou um Vingador. Todo dia é algo diferente. Toda experiência é um aprendizado pra ele. É isso que é tão engraçado quando ele e Bucky estão conversando e ele precisa lembrar Bucky sobre quão ridícula toda a situação dos Vingadores é. Tipo, você sabe que está lutando com um bruxo, né? (risos) 

FLA: Em TFATWS, para Sam tem um retorno para casa após o Blip e um retorno para Louisiana. Como o retorno de Sam para casa ressoa com você? 

AM: Essa série é definitivamente uma volta para casa pra mim, um despertar do sentido de onde eu vim e dos homens de onde eu vim. Então era muito importante para mim fazer isso corretamente. E eu fiquei muito feliz quando fizeram isso – quando fizeram Sam ser de Louisiana. 

É interessante porque muito de Sam tem a ver com pessoas, com homens com quem cresci e conheci aqui na minha família. Eu cresci com muitos homens fortes – meu pai e tios – que superaram muitos obstáculos e falhas sociais do nosso país. Eu tive tios que eram veteranos e não eram reconhecidos e apreciados quando voltavam da guerra. Eu tive um pai que não teve uma educação provida pelo sistema educacional americano. Eu tive tios que não tiveram oportunidades de ir além em suas carreiras nas companhias em que trabalhavam e pelo jeito que olhavam para pessoas negras trabalhando nessas companhias. 

A ideia de Sam ter o escudo do Capitão América pesa muito nos ombros dele por causa da história dos homens afro americanos na América. E eu consigo me identificar e entender esse sentimento. 

FLA: Sam retornando a Louisiana parece muito com sua biografia. Você estava na sala dos escritores nessa? 

AM: Não. Isso foi 100% Malcolm Spellman. Ele é tão brilhante e incrível no que faz. Ele literalmente assistiu tudo o que fiz, todos os filmes e leu todas as peças de teatro. Ele conversou com pessoas sobre mim. Tudo isso. Ele sabia que para eu fazer o meu melhor trabalho, ele precisava me colocar em um ambiente familiar; para ser o mais perto de casa possível para que eu conseguisse ser convincente da perspectiva do personagem. Então Malcolm misturou Sam Wilson, deu a ele todas essas características diferentes de um personagem, incluindo ser um cara prático. Eu sou um construtor por ofício. Sou um operário vivendo em um ambiente luxuoso. É por isso que vemos Sam passando sua camisa e dando pratos de comida para moradores de rua. Isso são coisas que eu faço. É tudo muito “perto de casa” para mim. 

FLA: Bem, Sam como um homem comum definitivamente brilha. Anthony, uma coisa que me chamou atenção como um Latinx como um PhD é que não importa quanto conseguimos, no segundo em que eu olhar para a direção errada ou para alguém ou fizer alguma coisa um pouco fora do comum, do meu “modelo para minoria”, eu sou mandado de volta para meu bairro. Sam é um vingador, o modelo ideal de minoria. Ainda assim, quando ele vai ao banco, ele tem seu empréstimo negado. Não importa quando ele tinha feito, ainda se tem a sensação de que isso pode ser tirado dele em um estalo de dedos. 

AM: Definitivamente! É por isso que Malcolm colocou essa cena brilhante lá. Eu vivi no Upper West Side em NY por onze anos. Em todo lugar que eu ia, eu escutava espanhol. Eram todos porto-riquenhos. Todos achavam que eu era um porto-riquento negro. Todos conheciam todos, incluindo seus desafios e lutas. Se alguém de outra comunidade não conseguisse pagar o preço do arroz para uma refeição ou não conseguiam pagar pela comida porque eles não trabalharam por uma semana ou o pagamento ainda não tinha chegado, a mãe e o pai de algum restaurante local iria os ajudar. Mas quando você ia ao centro da cidade, as pessoas não queriam estar associadas aos problemas da 148 e Riverside. 148 e Riverside, 65th e Broadway são mundos completamente diferentes, mesmo que só estejam há 80 quadras de distância. 

A cena entre Sam e Sarah no banco é muito importante. Não é só porque Sam está tentando se recolocar na vida após 5 anos longe (o blip) que ele não consegue o empréstimo, esse fato é sobre problemas sociais mais profundos. Eu tenho certeza de que se Steve Rogers tivesse ali, ele não teria nenhum problema para conseguir esse empréstimo. Eu fiquei feliz que Malcolm escreveu isso na cena porque muitas pessoas não sabem ou não identificam a realidade que algumas pessoas enfrentam que os deixam para trás. 

FLA: A fala de Sarah: “Como você pode mostrar renda se você é invisível?” diz muito sobre a longa e profunda história de pessoas nesse país que trabalham duro mas são feitos invisíveis. E quando eles tentam dar um passo para conseguir um empréstimo ou qualquer coisa, eles não conseguem.  

AM: O sistema americano historicamente não serviu as comunidades negra, latina e asiática. Foram os bancos e lojas dessas comunidades que proveu os seus próprios serviços para eles. Toda vez que você dá dois passos para frente, sempre tem um buraco que faz você dar um passo para trás ou ou em volta. É a realidade americana. Isso é o grande fardo americano que ninguém fala sobre. 

FLA: Isaiah Bradley, Battlestar e o Falcão, todos vocês aparecem em TFATWS. E Nick Fury, War Machine e Falcão fazem papéis centrais no MCU. Nós finalmente chegamos em um ponto em que representações de raça não são mais um fardo de apenas um super herói negro que represente toda uma experiência negra? 

AM: Além de Guardiões da Galáxia e Thor, tudo é muito “pé no chão” na realidade da Terra. Então, nossos super heróis precisam parecer como nossa realidade. Nós precisamos de mulheres em posições de poder. Precisamos de diferentes raças e etnias. A falta de representação se resume a uma falta de consciência. Quando a Marvel foi notificada sobre, mudanças foram feitas. Um grande parabéns para os líderes do studio, Kevin Lewis e Victoria Alonso. Hoje, nós vemos o universo da Marvel crescer e também o vemos se diversificar. 

FLA: Quando eu escrevi Latinx Superheroes in the Mainstream Comics, eu estava procurando em todos os cantos por representação latina. Estávamos nos quadrinhos, mas não chegamos à grande tela. Com a fase 5 do MCU, temos America Chavez e outros super heróis de cor chegando. Coogler está trabalhando em Black Panther 2. Mal posso esperar. 

Obviamente, a seriedade, competência e compaixão que você traz para seu papel como Sam Wilson fez muito para entrarmos nessa nova era do MCU – assim como outros gêneros situados no passado (história) e no futuro (sci-fi). Eu penso aqui não só em filmes como Detroit, mas também em Outside the Wire e Altered Carbon. Neste último, o seu trabalho é transformacionista de forma que vemos um protagonista negro no futuro.  

AM: É muito importante pra mim que meu currículo, minha carreira, seja um comentário social. Então olho para a linha do tempo da história afro-americana e a extensão do nosso relacionamento com o mundo ao nosso redor, e como exatamente quero que minha carreira se encaixe nisso. 

Quando escolhi interpretar aquele pequeno papel em Detroit, liguei para a Katherine para que ela soubesse que amei o roteiro e que eu tinha que estar no filme. Foi muito importante porque estávamos no auge da porção da brutalidade policial na história estadunidense, onde os policiais estavam apenas chegando e brutalizando homens negros nas ruas. Foi importante fazer um filme que mostrava que é a mesma mentalidade da escravidão, direitos civis e Jim Crow. Este é um filme que as pessoas deveriam assistir para colocar aquela linhagem junta. Eu disse a ela que faria tudo o que pudesse para ajudar a levar aquela história para o mundo. 

A mesma coisa com The Hate U Give (2018). Meu cara, George Tillman, dirigiu esse. Eu li o roteiro e liguei pra ele para dizer que eu precisava fazer parte desse filme também. É tão importante ver uma jovem garota encontrando sua voz e lutando contra o opressor que a vem segurando pra baixo sua vida inteira. Às vezes, o opressor não é a máquina geral estadunidense. Às vezes, o opressor é sua família e sua comunidade ao seu redor. Garotinhas crescendo como mulheres precisam ver isso.

Eu sempre quis que minha carreira fosse vista como um resumo de comentários sociais do mundo ao nosso redor.

FLA: Isso fala sobre aquele ponto sobre pipoca e filmes que nutrem.

AM: É o yin e o yang. Quero dizer, definitivamente precisamos do entretenimento – da diversão. Eu incluo Space Balls (1987) entre os meus filmes favoritos. Ao mesmo tempo, incluo Shawshank Redemption (1994); é entretenimento, mas também tem a gravidade que poucos filmes tiveram antes – e depois.

FLA: Anthony, tem tanta demanda de você e o seu tudo. O que você faz para recarregar as energias? 

AM: Depois que fizemos Hurt Locker eu percebi que meu mundo estava ficando pequeno. Então quando voltei para Nova Iorque, onde eu estava morando, tomei a decisão de me mudar de volta para Nova Orleans. São apenas 400 mil pessoas aqui. Tem uma vibe de bairro e comunidade e apreciação que você não tem em outros lugares. Então eu vim pra casa. Eu estava olhando uma caminhonete, e o cara me disse que se eu comprasse o barco, ele iria pintar o barco pra combinar com a caminhonete. Eu não podia deixar isso passar então comprei uma caminhonete e um barco. Eu construo casas, e eu vou pescar. É  isso que faço. No final do dia, posso pegar um pedaço de terra, e transformá-lo numa linda casa, e faço isso sempre que posso. E ninguém me incomoda. Faço a minha coisa.

FLA: Minha pergunta final. Eu sempre pensei que você faria um 007 incrível. De todos os personagens da franquia, qual você mais gostaria de interpretar? 

AM: Com Devil in the Blue Dress (1995), Denzel interpretou o cara mais legal na história do cinema, Easy Rawlins. Ele é o Bond negro. Eu adoraria reprisar esse papel. Eu amaria comprar todos os livros do Walter Mosley que fizeram essa série e tornar todos em filmes. Walter Mosley é um tesouro americano. A forma como ele capturou aquele filme noir na cultura afro americana foi incrível. 

FLA: Mosley também é um dos meus favoritos. Trabalho duro. Compromisso. Responsabilidade com a arte de atuação e de fazer filmes, assim como o assunto, Anthony Mackie, que jornada você compartilhou. Foi absolutamente incrível para mim. Que honra!

AM: Não, obrigada a você!