GLASS MAGAZINE (25.09.2020) – De Marvel a MLK – Glass fala com o ator Anthony Mackie sobre o futuro do Universo da Marvel, o panorama político dos Estados Unidos e sua nova barba. 

Teve apenas uma sugestão antes da minha entrevista com Anthony Mackie: Você se importa de perguntar sobre sua barba? Sou avisado que Mackie não se parece do jeito que as pessoas estão acostumadas a vê-lo.

A situação é que Anthony Mackie sempre teve uma barba, o que significa que essa barba deve ser significativa: uma declaração de barba. Mas, enquanto estamos conversando no telefone, posso apenas especular de qual declaração isso deve ser. Raspar suas costeletas no formato do escudo do Capitão América seria um jeito interessante de confirmar o que já se suspeita: que Mackie será o próximo Capitão América nos próximos filmes dos Vingadores. 

Isso o tornaria um dos rostos mais proeminentes em uma das maiores franquias cinematográficas da história, o que é obviamente algo grande – se houve na história um momento justo de se raspar estrelas e listras na barba, esse o seria Outra possibilidade, muito mais provável, é que depois de sua promoção do Falcão, o herói de apoio que Mackie interpreta desde 2014, o novo pelo facial poderia ser um testamento de seu contentamento com a vida.  

Crescido, livre da pressão de se barbear e trabalhar, eu imagino que seja a barba de um homem que chegou ao topo e pretende se sentar e admirar seus esforços.

Assim como a prosperidade no século 16 foi medida por palidez e obesidade (a gula era uma aspiração enquanto um bronzeado sugeria que você era um trabalhador), em 2020 nada diz ator de mega sucesso como uma luxuosa barba despenteada. Quando finalmente chegamos ao assunto, Mackie assume: “Eu acho que nunca vi minha barba tão grande. Apenas sento e brinco com ela o dia inteiro,” e ele ri, contente. Para Mackie e sua barba, parece que a vida nunca foi melhor. 

Com 70 créditos de atuação em 18 anos, ele mereceu o descanso. Se manutenção da barba realmente é uma métrica para ética de trabalho, seu estilo característico anterior (quase um cavanhaque fino) era a personificação de um trabalhador implacável. Depois de sua estreia em 8 Mile em 2022, Mackie conseguiu o papel do protagonista em um filme de 2004 do Spike Lee, She Hate Me, antes de dramas isca para Oscar: Million Dollar Baby (2004), Half Nelson (2006) e The Hurt Locker (2008). Ao longo da década seguinte Mackie se tornou um daqueles sempre presentes em Hollywood; um ator que consegue tantos trabalhos que você meio que espera ele aparecer toda vez que vai ao cinema, liga a televisão, ou se estica para o fundo do sofá procurando pelo controle remoto tendo atingido uma sobrecarga de Anthony Mackie. 

Não se preocupe em tentar escapar dele – ele é inevitável. Mesmo em seu presente período de brincar com a barba, Mackie tem usado seu tempo de folga das filmagens de The Falcon and the Winter Soldier para estrelar e produzir seu drama de Johnny Cochran pré-OJ, Signal Hill. Situado em 1981, o filme segue um caso de brutalidade policial chocantemente contemporâneo que ecoa, em meio a uma longa lista, a morte de Sandra Bland em 2015. 

“Então,” ele diz, voz baixando uma oitava para o tom de um produtor amadurecido, “Signal Hill é a história do primeiro caso do Johnny Cochran, representando a família de um homem jovem que é levado para a custódia da polícia e é encontrado morto um dia depois. É uma história importante, e tem importante histórias demais com protagonistas pretos que nunca foram contadas.”

É verdade. Já tendo interpretado MLK e Tupac Shakur, Mackie recentemente exibiu um comprometimento de interpretar afro-americanos cujas histórias estavam previamente excluídas dos cinemas e dos currículos escolares, aparecendo como o ativista Hakim Jamal em Seberg (2019) e o imobiliário pioneiro Bernard Garrett em The Banker (2020), outro projeto que ele produziu.

Pensando sobre a divisão em seus trabalhos recentes – parte super-herói, parte historiador – eu pergunto a Mackie se ele sente uma crescente obrigação em contar essas histórias dada a sua crescente visibilidade que vem com sua participação no “universo da Marvel.”

Eu acho sua resposta recatada diferente: “Não, na verdade não. Eu sempre gostei de textos históricos. Meu pai sempre dizia, ‘se você não conhece sua história, vai acabar cometendo os mesmos erros’.”

Eu resisto a charmosa, mas desvio claro e tento novamente: “Mas você deve estar ciente que o seu envolvimento traz uma nova audiência aos filmes representando a experiência preta na América, certo?”

“Sim… eu espero que sim,” ele responde sem elaborar. 

Convocando minhas reservas finais de zelo jornalístico, eu pergunto: “Você não acha que importa que nas mentes de milhões de pessoas (mais de 100 milhões assistiram Avengers: Endgame em seu final de semana de estreia), que o novo Capitão América, o mais americano dos heróis americanos da Marvel, está se aventurando como uma procissão de heróis afro-americanos do Movimentos dos Direitos Civis entre os filmes?”

Então aquilo acontece, quando algo que você previamente via como uma verdade inabalável é visto com tanto ceticismo que você começa a duvidar tudo que não seja o seu próprio nome. Então eu refaço meus pés, tentando encontrar a claridade: “Aquela parte no final de Endgame, quando o Capitão América aparece como um homem velho, te chama, te entrega o escudo…ele está te chamando para ser o novo Capitão América, caso encerrado, tudo certo, né?”

“Não. Definitivamente não está certo,” ele ri, não mais a risada de contentamento, mas uma risada às minhas custas por fazer 1+1 e encontrar 2. “Olha, tudo o que sabemos no final de Endgame, é que o Cap me deu o escudo. Não entramos no assunto se sou ou não o Capitão América, então veremos no futuro.”

Caso encerrado, mas também levemente aberto? Tudo o que está certo é que podemos riscar o emblema do escudo na lista da barba. A barba de contentamento agora também parece errada, então passo por uma outra possibilidade, que talvez ele esteja usando a barba de um homem humilde sobre o peso de um novo e maior propósito em Hollywood, sem tempo para a vaidade.

A “Barba do Ativista Cansado”, Mackie é politicamente ativo. Quando The Banker estreou no Motel Lorraine em Memphis, Mackie introduziu o filme da mesma sacada onde Martin Luther King Jr. foi assassinado em 1968. Foi uma experiência reveladora. 

“Quando eu estava naquele lugar… não sei o que aconteceu. Foi como levar um soco no estômago. Foi literalmente como se alguém tivesse me chutado no estômago. Eu sempre me pergunto: onde estaríamos, como cultura e como uma civilização, se Malcolm X, MLK, caramba – se Tupac não tivessem sido assassinados; se esses homens, que não pediam mas demandavam que fossem tratados da forma certa, que deram as vidas para que nós pudéssemos florescer – onde estaríamos agora se eles estivessem vivos?” Ele deixa o pensamento marinar por um segundo ou dois, e então responde ele mesmo: “Definitivamente não estaríamos lidando com situações como Breonna Taylor e George Floyd.”

Ele parece admirado com o prospecto deste presente paralelo, mas majoritariamente com raiva da falta de substitutos no século 21. “Ninguém hoje em dia está disposto a se encrencar, ninguém na política tem a coragem de ser um mártir, de ir contra o normal,” ele diz. “Todo mundo agora é tão neutro. Inferno, se você não está deixando as pessoas irritadas, você não está fazendo direito.” Finalmente, a barba se encaixa. “As pessoas devem estar com raiva! Mas no momento, ninguém está com raiva.”

A resposta de Mackie tem sido o IAmAMan.vote, uma campanha online encorajando homens afro-americanos a causarem mudança ao votarem na eleição presidencial em novembro. “Americanos pretos não apenas são uma grande parte da população desse país, somos um enorme ativo financeiro,” ele explica. 

“Tem tantos aspectos diferentes da nossa cultura que a América aproveita. Somos, literalmente, o pão e a manteiga da América. Mas tem tido tanta privação de direitos, tantas mentiras, tantos movimentos para tirar o poder do povo que muitas pessoas nem acreditam na ideia de votar. Eles não acreditam que votar faça a diferença, então por que desperdiçar seu tempo?”

Em 2016, os votos de afro-americanos caíram de 66.6% para 59.6%, com 11% dos eleitores do Obama de 2012 ficando em casa no dia da eleição. “Se conseguirmos re-legitimar a ideia de votar para jovens homens negros – se levantem e fiquem juntos – essa é uma ótima plataforma para se levantar. As pessoas terão nenhuma outra opção além de escutar.”

É um tempo estranho para o ativismo. É difícil se levantar juntos quando a ideologia dominante em 2020 é o distanciamento social – base da linha de piquete e… da barbearia. “É engraçado, todo mundo no meu bairro agora me chama de Wolverine Preto, mas eu não estou deixando ninguém chegar a um metro de distância de mim ou da minha cara. Essa merda do corona é real, letal, e a última coisa que eu vou fazer é arriscar a minha vida por um corte de cabelo.”

Então aí temos, Anthony Mackie como contado por suas barbas: às vezes contente mas sempre um obcecado por trabalho, e todas as partes de um incansável ativista, ainda o Falcão, possivelmente o Capitão América, mas, por agora, o Wolverine Preto.